Gosto de comprar frutas cristalizadas no Mercado Municipal. Hoje o
movimento está caótico por causa de um festival de degustação de cachaça
chamado “Cacharitiba”.
Aceito sabor canela e caminho em direção ao meu armazém favorito – Zelma.
Casa do Bacalhau. A placa, com um simpático peixe desenhado, acompanhado do
ícone Box 28 e o fone – antigo, ainda com três dígitos antes do hífen.
Peço duzentos gramas de damascos.
Mantenho o ritual de família, pois meu avô também só comprava aqui.
Frutas, pinhões e bacalhau.
Reparo num rapaz com a esposa dentro da loja. Ela, euforicamente,
serve-se de castanhas e ele carrega um livro do Raymond Chandler – Não há crime
nas montanhas.
Adoro este livro.
Reparo bem no rosto do rapaz e para mim, parece entediado. Como se
preferisse estar em outro local. Talvez sob a luz pacata de um abajur, lendo
seu livro policial. E ajuda a mulher com as sacolas. Responde sobre o preço
quando ela pergunta.
Talvez ele, assim como eu, gostaria de viver uma aventura detetivesca. Mas
onde há damascos, não há crimes.
De detetive, só tenho o instinto e memória fotográfica.
O homem pega o pacote e sai ao lado da esposa. Seu andar de suspensórios é
lento e pesado. Ele está muito mais para Watson, do que para Sherlock. Muito
menos Dupin do que Allan Poe. E um gato preto o espera do lado de fora do
Mercado.
Acena sim, com a cabeça, para a esposa que fala bastante. Somem na
multidão que inunda os corredores.
A vida real é muito mais chata que um thriller pulp – penso isso às vezes.
Mas ao menos, existem os damascos.
(Fabiano Vianna,
Mercado Municipal. 05/10/13)
Belo texto, adoro ver essa vida cotidiana ordinária, comum, pra mim tem mais poesia e beleza que muitas obras cheias de grandes feitos.
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