
– Vamos almoçar no
Mikado?
– O que tem lá?
– Comida oriental,
tipo vegetariana...
– Não sou bicho pra
comer mato!
– Mas, no Mikado
também tem peixe e às vezes frango, empanados no gengibre. Que tal?
– Uiii! Gengibre?!
Tô fora!
Contrariado com a
ideia do restaurante, meu amigo acabou aceitando o convite para o almoço, para
não perder a amizade.
Foi para o Mikado,
na dúvida se lá perderia o estômago.
...
A comida do Mikado
é uma mistura de paladares diversificados. O cardápio variado é tradicionalmente
o mesmo há mais de uma década, ou melhor, duas! ( conforme me informaram depois
de concluir o almoço e já no final desta crônica).
É fato que a ideia
de uma comida mais natural, VEGETARIANA, não agrada a todos, inclusive ao meu
amigo, que cauteloso, resolveu começar pela salada. Afinal, alface e tomate já
eram velhos conhecidos e o que não conhecia, podia passar sem.
– Mas e o tempero?
Cadê o tempero? Procurou.
– Põe shoyo com
gengibre que fica bom. Sugeri.
– Gengibre, ah
gengibre...você está querendo me matar? Cadê o vinagrete, o azeite, o sal...
Não tem comida pra gente normal?
Vendo que a coisa
ia longe, deixei que meu amigo com o ajuste de sabores, afinal a vida é um
constante ajuste de sabores, e fui procurar uma mesa.
Sentei-me junto às violetas
na janela do segundo piso, como invariavelmente faço desde que conheci o
Mikado. De lá pode-se avistar toda a quadra da rua São Francisco, onde fica o
restaurante.
O amigo sentou-se
em seguida. Deglutiu a salada, com shoyo mesmo, SEM gengibre e, sob protestos,
aceitou arriscar-se num missoshiro.
– Missoshiro? O que
é isto? Por acaso eles cozinham japonês aqui?
Algo estranho
aconteceu quando meu amigo ingeriu o primeiro tofú do seu missoshiro: O monte
Fuji, do quadro da parede à nossa frente, começou a derreter.
– Olha lá! Eu vi!
Escorreu uma gota no canto. Tá derretendo! Que diabos botaram dentro deste
misso sei lá o que tiro? Tem alguma coisa neste queijo aguado que está me
fazendo ver coisas...
A esta altura, o
restaurante lotado, parou e em peso, caiu na gargalhada. Todos voltaram os
olhares para o Monte Fuji e, é claro, para o meu amigo.
– Olhe, olhe! Vi
mais uma gota correr. Insistia ele.
No olhar do meu
amigo, o próprio monte Fuji estava bem ali, à nossa frente, derretendo sob o
verão quase tropical de Curitiba.
Misterioso é que,
para espanto geral, a ilustração vertia mesmo água pelos cantos.
Seria de fato o
efeito do tofú no missoshiro?
Perguntamos ao
Cassio Shimizu, que estava na mesa ao lado e, nem do alto da sua ancestralidade
oriental ele soube explicar o fenômeno.
Até o seu Kenji e a
dona Mishiko, donos do Mikado, sairam de seus tradicionais postos, no caixa e
na cozinha do restaurante para ver o que estava acontecendo.
– Ah... então é
isto? Disse seu Kenji com uma calma zen.
– Marido, precisa
chamar logo o encanador, né? Senão no próximo inverno não teremos mais Monte
Fuji nesta parede, hi, hi, hi...
Nota: Descobri que
o restaurante Mikado significa “porta sublime” e é uma homenagem ao Imperador
do Japão. O restaurante tem a idade do meu filho. Fui muitas vezes com ele na
infância e sempre que posso passo por lá para recompor minhas energias, com uma
comida sempre viçosa, saborosa e quentinha, feita com a mesma qualidade. O
Mikado é um daqueles lugares que a gente se sente em casa)
(Cláudia Gutierrez
Santana, Mikado. 19/10/13)